O mercado de esportes eletrônicos, ou e-sports, já se tornou um fenômeno global, movimentando anualmente bilhões de dólares e cada vez atraindo mais jogadores, patrocinadores e investimentos ao redor do mundo. Segundo a Forbes[1], o Brasil lidera investimentos, fusões e aquisições no setor, sendo que o mercado nacional já ultrapassa R$ 7 bilhões em receitas, sendo que o Brasil é o terceiro país do mundo com maior audiência em jogos eletrônicos no mundo.
O cenário dos esportes eletrônicos no Brasil tem se profissionalizado rapidamente, atraindo cada vez mais jovens que sonham em se tornar jogadores profissionais e viver do universo dos games. Além dos profissionais, o mercado também abre espaço para criadores de conteúdo, que se tornam influenciadores digitais, movimentando milhões de seguidores (e de Reais) nas redes sociais. O crescimento do setor também atrai grandes patrocínios de marcas renomadas, tornando os esportes eletrônicos um ambiente sério e rentável, onde competições de alto nível são organizadas com grande visibilidade.
Para muitas pessoas, os jogos vão muito além de um simples hobby, tornando-se um ambiente onde podem expressar suas personalidades, seja por meio do estilo de jogo, da customização dos personagens ou das conquistas únicas que acumulam ao longo do tempo. O ambiente online não é apenas um espaço para competir em alto nível ou desfrutar de momentos de lazer, mas também um lugar onde se constroem e fortalecem laços de amizade, criando oportunidades para conexões que muitas vezes transcendem a virtualidade.
Tendo em vista que os jogos online atualmente configuram um cenário de extrema competitividade, os participantes dedicam horas de prática não apenas para adquirir pequenas vantagens, conquistas ou elementos cosméticos que os diferenciem dos demais jogadores, mas também para aprimorar suas habilidades e elevar seu desempenho ao mais alto nível. Assim como nos esportes tradicionais, o sucesso nos e-sports exige disciplina, treinamento contínuo e um esforço considerável para dominar as mecânicas de jogo, estratégias e táticas. Nesse ambiente, cada detalhe pode fazer a diferença, e os jogadores estão constantemente se desafiando para superar os adversários e alcançar a excelência competitiva, que geralmente é atestada por meio de achievements, medalhas ou troféus digitais vinculados à conta do usuário, representando seu esforço contínuo ou domínio no cenário competitivo.
Nesse contexto de expansão e popularização dos jogos eletrônicos, é evidente que o perfil virtual do jogador se torna uma extensão de sua identidade e de sua personalidade, refletindo publicamente suas características pessoais, suas emoções e crenças. Esse perfil transcende o simples ato de jogar, se expandindo para as complexas interações que ocorrem no ambiente virtual, que, evidentemente, também se estendem para a esfera do Direito[2]. Fato é que o universo dos jogos eletrônicos cria uma verdadeira comunidade, com diversas formas de interação, que podem influenciar o comportamento e o estado anímico do jogador, seja de maneira direta ou indireta.
Dentro dessas questões que influenciam o estado emocional do indivíduo, tem-se que diversos jogadores têm relatado em fóruns oficiais e comunidades online suas frustrações com o que consideram banimentos abusivos ou injustos. E isso, não supreendentemente, acontece nos jogos de maior popularidade no Brasil, como, por exemplo, League of Legends, Counter-Strike, Valorant, Fortnite, Dota, Free Fire, EA Sports FC, World of Warcraft e Call of Duty. Muitos jogadores afirmam que sistemas automatizados podem estar provocando banimentos sem uma explicação clara, o que gera um sentimento de injustiça, especialmente entre aqueles que jogam há anos, que têm um histórico limpo e exímia habilidade nos jogos.
Para piorar a situação, muitos jogadores reclamam sobre a falta de transparência nos processos de revisão e a dificuldade em obter informações detalhadas sobre as acusações feitas contra suas contas. Os jogadores relatam que, mesmo após abrirem tickets de suporte, não receberam respostas satisfatórias ou evidências concretas do motivo do banimento, deixando-lhes a sensação de estarem à mercê de sistemas automatizados ou decisões pouco claras, gerando, por sua vez, grande frustração, especialmente considerando o tempo e dinheiro investidos nos jogos.
O Código de Defesa do Consumidor determina que o consumidor tem o direito à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços que adquire. Por esse motivo, a fornecedora de serviços, ou seja, a desenvolvedora do produto, tem a obrigação de prestar todas as informações ao usuário que sustentam uma medida de exclusão ou suspensão do ambiente de jogo em razão da prática de suposta conduta ilícita em face dos termos de utilização da plataforma digital.
Nos casos em que o jogador realmente não cometeu nenhuma conduta contrária aos termos e regras do jogo, é possível se falar de três situações: a) a conta do usuário foi hackeada (invadida) por terceiros ou; b) a fornecedora de serviços baniu o usuário indevida e injustificadamente ou; c) houve algum erro sistêmico nos serviços automatizados da fornecedora de serviços que indevidamente baniu o usuário. Em qualquer das hipóteses, é cediça a responsabilidade da fornecedora, vez que: a) a empresa deve zelar pela segurança de seus usuários/consumidores; b) em caso de medida de banimento, deve dar margem para penalidades menos severas e graduais, inclusive, respeitando-se o direito à informação do consumidor e, principalmente, ao contraditório e; c) no caso de erro em sistema informatizado, deve se responsabilizar objetivamente por suas falhas, haja vista se tratar de relação jurídica de consumo.
Entende-se que, na medida em que não é comprovada documentalmente (ou sequer apresentando elementos indiciários) a violação dos termos de regras do serviço da fornecedora, tem-se como prática abusiva o bloqueio de acesso do usuário aos serviços de jogo mediante o banimento ou a suspensão de sua conta. Ao que tudo indica, a incapacidade da fornecedora de serviços de prestar qualquer tipo de esclarecimento acerca da eventual conduta contrária aos termos do jogo, foi aplicada uma punição de forma automática por algum algoritmo sem que tenha ocorrido uma avaliação humana individualizada, o que viola o disposto na redação do § 1º do art. 20, da Lei 13.709/18 (LGPD)[3] e o disposto na redação do art. 20, da Lei n.º 12.965.14 (Marco Civil da Internet)[4].
Para o Direito Brasileiro, é fundamental que qualquer pretensão punitiva válida envolva a individualização específica da conduta do agente. Trata-se de uma condição indispensável para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa por parte do acusado. Nesse sentido, os Tribunais brasileiros entendem que a ausência de motivo claro de banimento sem a apresentação de motivo específico é uma prática abusiva, ensejando, por sua vez, a ordem judicial de desbloqueio da conta do usuário na plataforma de jogo, sob pena de aplicação de uma multa diária.
Além disso, o Poder Judiciário entende que o impedimento do acesso do usuário ao ambiente de jogo de forma abusiva, sem a individualização das condutas que supostamente infringiram os termos de jogo, o priva de todas as interações sociais que lhe são caras e dos bens virtuais que muitas vezes foram onerosamente adquiridos. Por esse motivo, o banimento ou suspensão sem que haja a comprovação do ato ilícito gera um abalo moral indenizável. E não poderia ser diferente, visto que a impossibilidade do indivíduo de acessar o jogo o impossibilita de se divertir com seus amigos e familiares, afetando seus direitos constitucionais da personalidade, intimidade, privacidade, esporte e lazer.
Os Tribunais já estão aplicando uma interpretação evolutiva na qual “afigura-se razoável impor à imagem virtual um valor, como ocorre com a imagem humana real, notadamente em casos concretos semelhantes, além do que sempre por trás de um participante de competição virtual existe uma pessoa com sentimentos e dignidade[5]”. Nesse sentido, na medida em que um indivíduo cria uma conta em um jogo e ingressa em um ambiente virtual, ele não consome apenas um serviço, e, sim, integra um ecossistema virtual em que cria conexões reais. Por esse motivo, o indivíduo integra esse papel não apenas na qualidade de consumidor, mas também como uma pessoa humana dotada de direitos e garantias fundamentais.
Isso corrobora o fato de que a exclusão sumária, unilateral e imotivada do usuário das plataformas virtuais dos jogos é um ato abusivo, frontalmente contrário ao arcabouço mínimo de direitos fundamentais na medida em que não se permite a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, já que o indivíduo é excluído por uma infração sem ao menos ter acesso às provas que amparam esse ato punitivo.
Se você foi afetado por um banimento injusto ou indevido em plataformas de jogos eletrônicos, saiba que existem medidas legais que podem reverter essa situação. Nossa equipe, especializada em casos como esse, trabalha para assegurar que os direitos dos jogadores sejam protegidos, e não apenas para recuperar o acesso à conta, mas também para buscar uma possível indenização pelos prejuízos sofridos. Contar com o apoio de profissionais experientes pode ser crucial para garantir que qualquer punição aplicada seja devidamente justificada, conforme prevê o Direito Brasileiro, e para buscar a reparação pelos danos causados.
[1] https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/12/brasil-lidera-investimentos-fusoes-e-aquisicoes-nos-games-e-e-sports/
[2] No que concerne ao Direito Criminal, sugere-se a leitura do Curso de Direito Penal Informático do Professor Dr. Spencer Toth Sydow: SYDOW, Spencer Toth. Curso de Direito Penal Informático – Partes Geral e Especial, Processo Penal Informático e Cibercriminologia. 5ª Edição – São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2024.
[3] Art. 20. O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade.
- 1º O controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial.
[4] Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.
[5] (TJ-RJ – APL: 00338635620168190203, Relator: Des(a). ALCIDES DA FONSECA NETO, Data de Julgamento: 16/10/2019, VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)