REDES SOCIAIS

Responsabilidade das plataformas de jogos de azar na publicidade direcionada a crianças e adolescentes

Recentemente, o tema das casas de apostas e o impacto sobre menores de idade ganhou destaque nos principais veículos de comunicação do Brasil. Segundo reportagens do G1[1], BBC[2], Folha[3] e Estadão[4], diversas empresas têm direcionado propaganda de cassinos online e de jogos de azar para crianças, bem como utilizado influenciadores mirins para promover jogos dessa natureza. Trata-se de uma prática que levanta preocupações não apenas sobre a exposição precoce aos jogos de azar e os potenciais riscos decorrentes disso, mas também origina debates jurídicos atuais e multifacetados acerca de temas como, por exemplo, a inexistência de controles de limites etários eficientes nas redes sociais, bem como as implicações das redes sociais na infância e adolescência.

Apesar de as casas de apostas esportivas na internet, popularmente conhecidas como “Bets”, serem legais e estarem regulamentadas desde dezembro de 2023 após a sanção da Lei n.º 14.790/2023[5], os jogos de azar – objeto do presente artigo – são ilegais perante o ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o previsto na redação do artigo 50 do Decreto-Lei n.º 3.688/1941[6] (Lei das Contravenções Penais):

 

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

 

Mesmo considerando que as plataformas de jogos de azar, como, por exemplo, o famoso “Fortune Tiger”, popularmente conhecido como “jogo do tigrinho”, não estão abrangidas pelo regime jurídico instituído pela Lei n.º 14.790/2023, tem-se que esse diploma legal proíbe expressamente, por meio da redação do inciso III do artigo 16, que as ações de publicidade e marketing das casas de apostas esportivas sejam destinadas a crianças e adolescentes. Essa questão já estava prevista no Código de Defesa do Consumidor, que considera, por meio do inciso IV do seu artigo 39, abusivo e ilegal direcionar publicidade para o público infantil, independentemente do tipo de produto ou serviço.

 

Art. 16. As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação.

(…)

III – a destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

 

Existem, ainda, implicações previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), que, na redação do seu artigo 17, assegura a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. Isso abrange a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Além disso, o artigo 232 estabelece pena de detenção de seis meses a dois anos para quem submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento, o que pode incluir publicidade abusiva ou inadequada.

Na seara penal, sem prejuízo de outras condutas criminosas cujo objeto jurídico penalmente protegido não versa sobre a proteção da criança e do adolescente, tem-se o possível cometimento do crime de corrupção de menores praticado pelos indivíduos que induzam ou atraiam menor de 18 anos a participarem de jogos de azar, seja como jogador, seja como influenciador. Trata-se do crime previsto na redação do artigo 244-B, do ECA:

 

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

 

Não bastasse isso para ilustrar a gravidade da situação, há também a questão de proteção de dados e privacidade. A Lei n.º 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), que estabelece normas para a coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de informações pessoais e que tem como um de seus princípios a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e privacidade, impõe regras rigorosas ao tratar sobre crianças e adolescentes de forma que os dados pessoais de menores de idade só podem ser tratados com o consentimento específico e destacado de um dos pais ou dos seus responsáveis legais. Além disso, a lei enfatiza a necessidade de que as informações sobre o tratamento sejam apresentadas de forma clara e acessível, permitindo que os pais ou responsáveis compreendam exatamente como essas informações serão utilizadas e quais são os direitos das crianças em relação a seus dados – o que não acontece no caso dos jogos de azar, ensejando, portanto, a aplicação de sanções pecuniárias.

A publicidade de jogos de azar dirigida a crianças e adolescentes, além de muitas vezes ser feita por menores de idade, não apenas infringe diversas normas legais, mas também representa um sério risco para o desenvolvimento saudável dessa população vulnerável. Como destacado por Jonathan Haidt em “A Geração Ansiosa”[7], a transformação radical da infância devido à influência das tecnologias modernas tem causado sérios impactos na saúde mental das crianças e adolescentes.

Redes sociais, jogos online e outras plataformas digitais – incluindo aquelas voltadas para jogos de azar – expõem os jovens a um ambiente virtual que frequentemente carece das proteções necessárias. Esses jogos não apenas oferecem riscos imediatos à privacidade e ao bem-estar psicológico dos menores, mas também moldam negativamente suas interações sociais e seu desenvolvimento emocional. O vício em jogos de azar pode levar a sérios impactos na saúde mental dos jovens, resultando em ansiedade, depressão e outros transtornos emocionais, ao mesmo tempo que pode prejudicar as relações familiares e afetar negativamente o desempenho escolar, o interesse nos estudos e a vida acadêmica.

Ademais, a utilização de recursos financeiros dos pais por crianças e adolescentes nesse tipo de empreitada criminosa pode gerar não só a exposição de dados sensíveis, como, por exemplo, informações de cartões de crédito ou contas bancárias, que podem ser usados para o cometimento de outras fraudes financeiras, mas também impactar a organização financeira familiar e prejudicar o entendimento do menor de idade acerca de educação financeira.

Diante desses diversos e graves riscos, é imperativo que haja uma responsabilidade ampliada das plataformas de jogos de azar nas redes sociais, impondo medidas rigorosas de proteção e supervisão para garantir um ambiente seguro e saudável para os jovens. Se o seu filho está enfrentando esse tipo de problema, é imperativo buscar a ajuda de um advogado qualificado para prestar as orientações necessárias e para tomar as medidas legais cabíveis.

 

[1]https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/06/24/jogo-do-tigrinho-e-outros-cassinos-online-contratam-influenciadores-mirins-e-direcionam-propaganda-para-criancas-no-instagram.ghtml

[2] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c033r0p2z76o

[3] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/06/influenciadores-mirins-divulgam-bets-e-vicio-em-apostas-ameaca-criancas-e-adolescentes.shtml

[4]https://www.estadao.com.br/brasil/jogo-do-tigrinho-ate-influenciadores-mirins-fazem-propaganda-diz-entidade/

[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm

[6] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm

[7] HAIDT, Jonathan. A Geração Ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. Tradução de Lígia Azevedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.

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